Maura Cristina Porto Feitosa
O Laser (amplificador de luz) tem interação fascinante com a matéria. A
ação básica dessa radiação no tecido biológico é aumentar a atividade fibroblástica, promover a
neoformação de microvasos e favorecer a síntese de colágeno, permitindo o
processo de reparação tecidual em úlceras de difícil cicatrização,
principalmente em complicações de doenças crônicas como o Diabetes.
A
Diabetes Mellitus (DM) é síndrome de etiologia múltipla caracterizada por
hiperglicemia crônica e outros distúrbios metabólicos, apresenta-se hoje como
uma epidemia mundial. Está associado a complicações, disfunções e insuficiência
de vários órgãos e sistemas (BRASIL, 2012). Nas últimas décadas, DM tem se
constituído em sério e crescente problema de saúde pública em todo o mundo
devido ao aumento de sua prevalência, morbidade e mortalidade. A Organização
Mundial da Saúde (OMS) acredita que o número de portadores de DM no mundo,
estimado em 177 milhões no ano de 2000, alcance hoje a cifra em torno de 350
milhões de portadores. Este crescimento é atribuído ao aumento de sobrevida, à
disseminação de dietas inadequadas e ao sedentarismo (WHO, 2014).
Uma das complicações mais comuns da DM é o pé
diabético, caracterizado pela infecção, ulceração e/ou destruição dos tecidos
profundos, associado a anormalidades neurológicas e vários graus de doença
vascular periférica nos membros inferiores. No Brasil, acredita-se que DM
responde por 40-70% das amputações de membros inferiores não traumáticas. Além
dos recursos gastos com hospitalização prolongada, reabilitação do indivíduo e
expressiva necessidade de cuidados domiciliares, há os custos indiretos devido à
perda de produtividade e ao considerável impacto na qualidade de vida
(CHAMILIAN et al., 2013).
O tratamento convencional para as úlceras em
membros inferiores de diabéticos consiste basicamente na troca diária do
curativo, utilizando-se soro fisiológico a 0,9% para limpeza e posterior
utilização de óleos vegetais cicatrizantes.
Óleos de origem vegetal são utilizados em ferimentos, principalmente em países
da América Latina. Nestes óleos, os ácidos graxos mais abundantes são o oleico,
linoleico e linolênico. Estudos têm sido realizados, com intuito de esclarecer
os efeitos do óleo de girassol no processo de reparo de feridas de diversas
etiologias. Embora a maioria das pesquisas científicas utilizasse modelos
animais, a efetividade da terapêutica em humanos vem mostrando resultados
satisfatórios (FERREIRA et al., 2012).
O reparo tecidual é complexo
e multifatorial. Apresenta uma sequência de eventos que envolvem fenômenos
bioquímicos e fisiológicos cujo principal objetivo é restabelecer o tecido
lesionado, de acordo com o tipo de injúria (OLIVEIRA; DIAS, 2012). O reparo ocorre
para restaurar a integridade anatômica e funcional do tecido, vários eventos
bioquímicos e celulares estão envolvidos na resposta tecidual à lesão, dos
quais depende a qualidade do reparo, resultando no processo dinâmico interativo
que envolve mediadores solúveis, formação de elementos sanguíneos, matriz
extracelular e células parenquimatosas (ABREU; OLIVEIRA, 2015).
A luz é uma onda eletromagnética, cujo comprimento de onda se inclui num determinado intervalo dentro do qual o olho humano é a ela sensível. No caso específico da luz, a intensidade se identifica com o brilho e a frequência com a cor. Deve ser ressaltado também a dualidade onda-partícula, característica da luz como fenômeno físico, em que esta tem propriedades de onda e partículas, sendo válidas ambas as teorias sobre a natureza da luz. A luz percorre trajetórias retilíneas; somente em meios não-homogêneos a luz pode descrever
trajetórias curvas (YANG, HUANG,2009).
O princípio da emissão
estimulada foi proposto primeiramente, sob forma teórica, por Einstein em 1917:
a emissão estimulada de radiação é causada pela presença de um fóton indutor de
energia interagindo com um átomo em seu estado excitado, resultando na
liberação de dois fótons induzidos (MELIS, DI, ZAWAWI, 2012).
O laser é um tipo de energia
eletromagnética que, dependendo de sua fonte, pode ser convertida em energia
luminosa visível ou não. O raio Laser é um tipo de radiação não ionizante, não
invasiva, altamente concentrada, que em contato com diferentes tecidos, promove
efeitos fotoquímicos (RIBEIRO, et al., 2009).
Até o início da década de
80, desconheciam-se os mecanismos da radiação eletromagnética em nível
molecular e celular (KARU, 1987). Trabalhos científicos realizados ao longo da
década de 80 (KARU et al., 1982; KARU, 1995) estabeleceram as bases para a
compreensão dos mecanismos moleculares associados aos efeitos da luz sobre as
células. Testes clínicos com aplicação do Laser no processo de cicatrização de
úlceras em seres humanos já foram liberados pela agência norte-americana FDA (Food and Drug Administration- Administração
de Alimentos e Medicamentos) que controla o uso de medicamentos e alimentos nos
Estado Unidos (KARU, 2013).
Trabalhos desenvolvidos no
Brasil demonstraram a eficiência deste recurso para o tratamento de diversos
tipos de úlceras (AMÂNCIO, 2010). A úlcera de membros inferiores é
caracterizada por perda circunscrita ou irregular do tegumento (derme e
hipoderme), geralmente relacionada ao sistema vascular, arterial ou venoso
(FRADE et al., 2015). O emprego de
fontes de luz de baixa potência, como diodos emissores de luz (Light Emiting
Diode- LEDs) ou laser de baixa intensidade, pode propiciar um recurso
terapêutico opcional aos convencionais ou ser utilizado em conjunto com estes,
com a vantagem do baixo custo e comprovada eficiência no tratamento de úlceras.
A prática
clínica da terapia a laser de baixa intensidade (TLBI) tem sido investigada e
utilizada há aproximadamente 20 anos. Entretanto, pesquisadores e terapeutas
têm questionado os benefícios clínicos desta técnica devido aos resultados
divergentes encontrados na literatura, em razão da carência de padronização
metodológica nos estudos, bem como de sua aplicabilidade clínica, especialmente
em se tratando da utilização deste recurso nas fases iniciais do reparo
tecidual (MEDEIROS et al., 2010).
O laser de baixa intensidade vem sendo
utilizado para acelerar o processo de reparo de diferentes tecidos, incluindo
tecido muscular, e o aumento no número de mitose e o desenvolvimento de células
epiteliais. Este último resulta em aumento da vascularização e síntese de
colágeno pelos fibroblastos nos sítios da lesão. Estudos realizados por Moreira
et al. (2011) demonstraram que o
laser de baixa intensidade aumenta a deposição de colágeno no tecido,
contribuindo de forma significativa no processo de reparo.
A
TLBI pode provocar efeito sistêmico pelas alterações no metabolismo tanto no
local da irradiação como em áreas mais distantes. Este fato pode ser explicado pela
liberação de substâncias na corrente sanguínea, bem como pela vasodilatação e
aumento do fluxo sanguíneo (PELEGRINI; VENANCIO; LIEBANO,
2012).
Foi observado que o laser de baixa intensidade promove aumento
na quantidade de fibroblastos em células irradiadas, proporcionando elevação
significativa na proliferação fibroblástica e redução do infiltrado
inflamatório, demonstrando assim que o laser de baixa intensidade acelera o
processo de reparação tecidual (LEAL;
BEZERRA; LEMOS, 2012)..
Para Gonçalves et al. (2010)
essa atividade biológica induzida pelo laser é provavelmente resultado da
aceleração da transferência de elétrons na cadeia respiratória por fotoindução
e, consequentemente, o aumento da síntese de ATP mitocondrial. Assim, se supõe
que esse estado eletronicamente excitado das moléculas promova o aumento do
metabolismo celular em vários tecidos e melhore uma variedade de processos
fisiológicos e fisiopatológicos, tais como a cicatrização de feridas. Dessa
maneira, a TLBI modula a resposta inflamatória,
levando a melhor deposição de fibras colágenas e aumento do número médio de
vasos neoformados, além da redução de edema e do processo inflamatório.
Claramente, estudos clínicos
controlados com grande número de pacientes bem como estudos celulares que
determinem os mecanismos moleculares subjacentes são necessários para
evidenciarem fortemente que a terapia com laser de baixa intensidade é benéfica
e sem efeitos adversos adicionais na cicatrização de feridas diabéticas.
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