A hanseníase é uma doença infectocontagiosa
de evolução lenta, causada pela Mycobacterium leprae (bacilo de Hansen).
A doença afeta principalmente a pele, os nervos periféricos, a mucosa do
trato respiratório superior e também os olhos.
Em geral, após longa evolução, ocorrem alterações de sensibilidade,
lesões cutâneas diversas, feridas crônicas, deformidades e mutilações que
contribuem para a estigmatização dessa doença e o isolamento social do
indivíduo acometido (BRASIL, 2008). O processo de
reparo tecidual de feridas crônicas é geralmente acompanhado por curativos e
diversos tipos de coberturas. Na vanguarda do desenvolvimento estão os testes
com ultrassom terapêutico para cicatrização de feridas (CAMPANELLI, 2004)
A hanseníase necessita do acompanhamento e
orientações adequadas dos pacientes sobre os cuidados diários com a pele. Feridas
crônicas, como úlceras na planta dos pés, rotuladas de MAL PERFURANTE PLANTAR
(MPP) decorrentes da neuropatia causada pela Mycobacterium leprae ainda são frequentes. A falta de sensibilidade associada as disfunções neuro-vasculares
permitem o surgimento do MPP. As principais técnicas usadas para o tratamento
de úlceras plantares são: massagem manual superficial, radiação infravermelha,
radiação ultravioleta, laserterapia de baixa intensidade, terapia ultrassônica
e eletroestimulação pulsada de baixa e alta voltagem (CAMPANELLI,2004).
FIGURA 1: Úlcera
plantar hansênica
Fonte: site de domínio público: http://www.uv.es/derma/semin/semiosemin/semio3d.html
FIGURA 2 : Úlcera plantar hansênica
Fonte: http://www.clinicacecipe.com.br/especialidade-ulceras-plantares.asp
O ultrassom é um dos recursos
terapêuticos mais utilizados pelos fisioterapeutas para o tratamento das
mais diversas disfunções. O ultrassom tem ultrapassado as indicações das lesões
do tecido músculo esquelético, estando disponível para outras disfunções
teciduais, em especial no sistema cutâneo. As ondas ultrassônicas ao
penetrarem no tecido provocam uma vibração a nível celular,
acelerando a velocidade de difusão de íons através da membrana celular. Com
isto, tem-se um aumento da permeabilidade da membrana, e uma aceleração dos
processos osmóticos. Promovendo aumento da extensibilidade de estruturas
colágenas, aliviando a dor e diminuindo a rigidez articular (WATSON, 2009).
Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde
(OPAS), a prevalência mundial de hanseníase no início de 2010 foi 211.903
casos, considerando 141 países e territórios. O Brasil é o responsável por 90%
dos casos no continente sul-americano e é o segundo país em número absoluto em
incidência, registrando 47 mil casos novos por ano, perdendo apenas para Índia (AQUINO, 2010)
Além do tratamento medicamentoso, devem ser
abordados a prevenção e o tratamento das incapacidades e deformidades da doença
como as úlceras plantares, com orientação de autocuidado e fisioterapia. É uma
situação de difícil manejo para os indivíduos acometidos, bem como para os
familiares e profissionais da área da saúde. Métodos tradicionais de
tratamento, tais como hidromassagem e troca de curativos resultam em um
tratamento longo e muitas vezes ineficaz (MARQUES, 2003)
As feridas crônicas são aquelas que não
conseguem progredir por meio dos três estágios normais de cicatrização,
resultam em lesão tissular que não repara dentro do período de tempo
específico. Tal injúria é resultante de desordens subjacentes como diabetes,
insuficiência vascular, hipertensão, queimaduras e vasculites. As úlceras
plantares decorrentes da hanseníase são responsáveis por um alto índice de
morbidade e mortalidade. O processo de reparo tecidual pode sofrer
interferência de vários fatores, no qual prolonga uma ou mais fases da
inflamação, proliferação ou remodelação. Os fatores podem ser locais e
sistêmicos, como infecção, hipóxia tissular, necrose, exsudatos e níveis
excessivos de citocinas inflamatórias. O período de 30 dias é que diferencia se
uma ferida é aguda ou crônica (SCOTT et
al., 2012; LORENZO; HERNÁNDEZ; SORIA, 2014).
A ferida
crônica causa uma disfunção anatômica e funcional no indivíduo, comprometendo a
sua qualidade de vida e autoimagem. O cuidado com as feridas crônicas se torna
especialidade de profissionais habilitados em Tratamento de Ferida. Atualmente,
existem várias terapias avançadas em feridas, as mais utilizadas nos Estados
Unidos e no exterior, atualmente, incluem os fatores de crescimento da matriz
extracelular (ECMs), engenharia de pele, terapia de pressão negativa em feridas
(NPWT), terapia de oxigenação hiperbárica, estimulação elétrica, diatermia,
radiofrequência pulsada, tecido da matriz acelular, derme humana, tecido placentário,
pericárdio humano, terapia de células-tronco, entre outros (FRYKBERG; BANKS,
2015).
No reparo
tecidual de lesões da pele de diferentes etiologias o ultrassom terapêutico é
amplamente utilizado, entretanto na perspectiva do tratamento das lesões hansênicas
o tema ainda é pouco explorado.
É bem
conhecido o fato de que agentes físicos como a eletricidade, campo magnético e ultrassom
podem estimular o processo de cicatrização e regeneração de diferentes tecidos,
como a pele, o osso, tendões e nervos periféricos (GOUVEIA, 2008).
No campo da fisioterapia, denominamos
ultrassom (US) as oscilações cinéticas ou mecânicas produzidas por um
transdutor vibratório que se aplica sobre a pele com fins terapêuticos,
atravessando-a e penetrando no organismo em diferentes propriedades. A escolha
do equipamento pode atender diferentes situações e profundidades.
FIGURA 3: ULTRASSOM
TERAPÊUTICO
Fonte: site de domínio público: http://institutoaica.com/
FIGURA 4: ULTRASSOM
TERAPÊUTICO
Fonte: site de domínio público: http://institutoaica.com/
O ultrassom
terapêutico (US), definido como onda mecânica de alta frequência, transmite
energia através de vibração, é extensivamente utilizado na clínica (ZANON, 2006). Os geradores ultrasônicos são capazes de
emitir energia em duas modalidades, contínua ou pulsada. Na forma contínua, a
intensidade da onda (medida em w/cm²) permanece constante, e seus efeitos
esperados também envolvem produção de calor profundo, aumento do fluxo de sangue
local, e redução da dor, e ainda, se utilizado em altas intensidades (1,3 a 3,0
W/cm²), atua na eliminação da fibrose. Desta forma, observa-se que o uso do US
contínuo com alta intensidade é uma possível indicação para o tratamento da
ferida crônica, uma vez que, a terapia com ondas de choque, através de efeitos
semelhantes, vem apresentado bons resultados. Além disso, o US é um aparelho
bastante disponível e de baixo custo (ZANON, BRASIL, IMAMURA, 2006).
O ultrassom
tem uma ação muito seletiva sobre as fáscias, tendões, hematomas, fibrose
muscular e cutânea, além dos quadros álgicos. Na hora de estabelecer a
indicação terapêutica é importante escolher o método e a técnica precisa. Como
meio terapêutico analgésico se acredita que o ultrassom tenha ação sobre as
mudanças na velocidade de condução nervosa, na eliminação de mediadores da dor
através do aumento da circulação local e nas alterações da permeabilidade da
membrana celular, que diminuí a inflamação e facilita a regeneração tissular. O
aumento da temperatura que ativa os termorreceptores cutâneos modulando a
transmissão da dor e a diminuição da contratura muscular são outras
considerações que justificam a redução do quadro álgico. Os mecanismos da
concorrência dos estímulos nociceptivos com a inervação estimulada pelo
ultrassom modulado a dor a nível medular, explicado pela teoria das comportas
além de interferir no aumento do umbral das fibras nociceptivas (AGNE, 2009).
Segundo
Kitchen (2010), quando o ultrassom entra no corpo, pode ocorrer um efeito nas
células e tecidos por dois mecanismos físicos: térmico e não-térmico. Nos
efeitos térmicos o ultrassom percorre o tecido, uma porcentagem dele é
absorvida, e isso leva à geração de calor dentro do tecido. O aquecimento
controlado pode produzir efeitos desejáveis que incluem alívio da dor, redução
da rigidez articular e aumento do fluxo sanguíneo. A vantagem do uso do ultrassom
para produzir esse efeito de aquecimento é que o terapeuta tem controle sobre a
profundidade na qual o aquecimento ocorre. Já nos efeitos não-térmicos existem
muitas situações em que o ultra-som produz efeitos biológicos sem contudo
envolver mudanças significativas na temperatura. Existem algumas evidências
indicando onde os mecanismos não-térmicos parecem exercer um papel primário na
produção de algum efeito terapeuticamente significante: estimulação da
regeneração dos tecidos, reparo de tecidos moles, fluxo sanguíneo em tecidos
cronicamente isquêmicos, síntese de proteínas e reparo ósseo.
Entretanto
foram verificados poucos estudos que referem o ultrassom para o tratamento especifico
em úlceras plantares hansênicas, diferente da laserterapia de baixa
intensidade. No entanto, diversos estudos evidenciaram que existem recursos
fisioterapêuticos que auxiliam o processo de cicatrização de úlceras cutâneas
de diversas etiologias e que podem trazer benefícios no reparo das úlceras
plantares hansênicas (MARQUES,2003).
Mesmo com a
alta incidência da hanseníase em países em desenvolvimento, sobretudo no
Brasil, ainda se verifica uma pequena produção científica envolvendo métodos de
avaliação e tratamento das úlceras hansênicas, apesar do difícil tratamento e
cronicidade dessas lesões.
REFERÊNCIAS
AGNE, J.E. Eu sei Eletroterapia. Santa Maria: Pallotti, 2009.
Aquino DMC, Caldas AJM, Silva AAM, Costa JML.
Perfil dos pacientes com hanseníase em área hiperendêmica da Amazônia do
Maranhão, Brasil. Rev Soc Bras Med Trop. 2010;36(1):57-64.
BRASIL, Ministério da Saúde.
Informe Epidemiológico 2008, Programa
Nacional de Controle da Hanseníase, Secretaria de Vigilância em Saúde.
Brasília : Ministério da Saúde, 2008.
Brasil. Ministério da Saúde. Guia para implantar/
implementar as atividades de controle da hanseníase nos planos estaduais e
municipais de saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2010
CAMPANELLI, F(2004). Efeitos da radiação ultra-sônica sônica e de baixa intensidade sobre o mal
perfurante plantar (MPP), manifestação cutânea decorrente da hanseníase.
Dissertação(mestrado) Escola de Engenharia de São Carlos/Faculdade de Medicina
de Ribeirão Preto, Instituto de Química de São Carlos, Universidade de São
Paulo, São Carlos,2004.125p
FRANCO, Andréa Dellú; PEREIRA, Linara E.; GROSCHITZ, Mônica; AIMBIRE,
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FRYKBERG, RG; BANKS,
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GOUVÊA, C. M. C. P.; VIEIRAL, P. M. N. & AMARAL, A.
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ultra-som na recuparação de músculo tibial anterior de
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LORENZO H, María Piedad; HERNÁNDEZ
CANO, Rosa María; SORIA SUÁREZ, María Isabel. Heridas crónicas atendidas en servicio de urgencias. Revista eletronica trimestral de
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Marques CM, Moreira D, Almeida PN. Atuação fisioterapêutica no tratamento de
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2003;28(2):145-50.
SCOTT, M. et al. Concise Review: Role of
Mesenchymal Stem Cell in Wound Repair. Stem cells translational
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ZANON, R.G; BRASIL, A.K; IMAMURA, M. Ultra-som contínuo no tratamento da
Fasciíte Plantar crônica. Artigo Científico (Trabalho realizado no setor de
fisioterapia do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas
da Universidade de São Paulo). São Paulo, 2006.
WATSON, Tim. Eletroterapia: Prática
baseada em Evidência. 12. edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
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